Redemption Song no jardim

A canção "Redemption Song", de Bob Marley, é a responsável pelo reencontro de Agnes com sua amiga Sarah, personagem importante para que o leitor se aprofunde no universo de Jardim de Agnes.
Esta versão da canção faz parte do projeto Playing for Change. No livro, Sarah exige que seja a original, interpretada por Bob Marley. Porém, aqui ele está, e se trata de uma bela homenagem. Mas antes, um trecho do livro sobre a canção:

- “Redemption Song”, mas a versão do dono dela... A do Bob Marley! – Agnes oferece.

Agnes e o assunto casamento não combinam e, mesmo cientes de que ela é um poço sem fundo de surpresas, não conseguimos compreender o interesse dela no casamento da tal Sarah. Além do mais, Agnes é quem optou por ir contra a maré, viver de acordo com o que acredita. Mas e a Sarah? Por que Agnes insiste em que Junior ajude sua leitora a cometer tantas infrações às leis de Ibidem?

- Uma noiva travestida de dançarina de flamenco... – Junior sussurra. – Entrando na igreja ao som de uma canção que nos convida a usufruir da liberdade, a nos libertarmos da escravidão mental. Você acha mesmo essa uma boa ideia?
- E você acha que há lugar para qualquer tipo de liberdade num casamento que acontece desse jeito?

Olhamos para ela sem saber o que pensar. Não é do feitio de Agnes envolver outras pessoas nas suas viagens. Porém, ela está mesmo decidida a opinar sobre o casamento de Sarah. Sob nossos olhares distraídos com tanta ousadia, Agnes sorri em tom de escárnio brando. Cruza as pernas e tira um sapato, depois o outro. Pés nus, ela sobe na mesa e se distrai com o próprio corpo em movimento languido. Olhos fechados, solta a voz numa lamuria deslavada:

Won't you help to sing
These songs of freedom
‘Cause all I ever had
Redemption songs
All I ever had
Redemption songs
These songs of freedom
Songs of freedom


Prefácio


Este livro não merecia um prefácio, mas um trailer. Este livro não é feito de capítulos, mas de cenas. Você tem vontade de ler de uma só vez. E, quando acaba, você aperta os olhos e tenta se acostumar com a luz acesa da realidade.

Este livro precisaria de um trailer, mas trailers são perigosos: podem “entregar” demais a história do filme. Melhor seria entrar na sala escura despreparado, sem indicações de amigos, sem ter lido críticas, sem ter visto trailer algum.

Mesmo quem leu as crônicas de Carla Dias sobre cinema no site Crônica do Dia, há de se surpreender com Jardim de Agnes. Ao invés de falar sobre filmes, Carla faz um. Não há descrição de cenários nem nomenclatura técnica de roteiro, mas cada vez que um parágrafo se distancia um pouco mais do seguinte, não há como evitar a sensação de que a cena anterior esmaece lentamente na tela enquanto a próxima cena se torna mais nítida. Também é difícil evitar fechar os olhos por alguns segundos entre uma cena e outra, para preparar o espírito para uma outra emoção.

As imagens deste livro não são formadas por descrições detalhadas de paisagens e lugares, mas pelo movimento de seus personagens. Os estados interiores de Hugo, Agnes, Beto, Júnior... vão erguendo, em nossa imaginação, a cidade estranha de Ibidem, decorando ambientes, apartamentos, bares, compondo o vestuário dos personagens principais e de tantos outros personagens secundários que lhes cruzam o caminho e que, com certeza, seriam personagens principais em outros livros-filmes.

Não há nada que possa ser dito antecipadamente sobre Hugo e Agnes que não seja uma traição à busca desses personagens, uma fixação prévia e equivocada dessa gente que escolheu viver à deriva. Melhor é o leitor tirar os sapatos, desatar também os nós que o prendem a amores, empregos e ideologias, e se deixar levar a Ibidem, não como um observador a salvo da vida alheia desses personagens, mas como alguém que também arrisca o corpo e a alma no fluxo imprevisível dos conflitos e das reviravoltas desta turma de amigos a quem a vida arrastou em seu curso caudaloso de rio que talvez não veja o mar.

Que pelo menos este prefácio seja curto como um trailer. E que seja esquecido, fechando-se os olhos por alguns segundos, antes que as luzes da sala se apaguem e que o leitor se entregue ao sonho projetado na tela do papel.

Eduardo Loureiro Jr.
Professor, escritor e astrólogo